O artigo abaixo é do jornalista Marcelo Salles, correspondente da revista "Caros Amigos", em La Paz e editor do Jornal "Fazendo Média".
“Três fatos históricos ocorridos em menos de duas semanas resumem, em grande parte, o que foi 2008 e indicam as possibilidades para os anos seguintes. No dia 20 de dezembro a Bolívia foi declarada território livre de analfabetismo, no dia 27 o governo israelense iniciou um ataque que assassinou centenas de palestinos e no dia 1o de janeiro Cuba comemorou 50 anos de Revolução. O primeiro fato foi ignorado pelos meios de comunicação de massa brasileiros, o segundo foi relativizado e o terceiro, menosprezado. Com isso, editores e articulistas não foram capazes de enxergar a relação entre os três acontecimentos, reduzindo assim o prisma de suas análises e comprometendo suas coberturas jornalísticas. Em primeiro lugar, é preciso enfatizar que não é todo dia que um país erradica o analfabetismo. Poucas são as nações que lograram este objetivo, mesmo entre aquelas economicamente desenvolvidas. Na Bolívia, 819.417 pessoas entre 15 e 80 anos aprenderam a ler e escrever durante os 30 meses do Programa de Alfabetização, implementado com a ajuda dos governos cubano e venezuelano. Cuba entrou com o método "Yo, sí puedo", além de médicos que realizaram 250 mil consultas, 3 mil cirurgias de vista e distribuíram 210 mil óculos para a população. Por sua vez, a Venezuela doou 8 mil painéis de captação de energia solar para que o programa também pudesse ser implementado nas áreas desprovidas de energia elétrica. Assim, Bolívia se tornou o terceiro país latino-americano livre do analfabetismo, depois de Cuba (1961) e Venezuela (2005). Para eliminar o analfabetismo na Bolívia, os três governos investiram o equivalente a 36 milhões de dólares. Esse valor se refere a todos os custos do programa, incluindo as doações, como os painéis solares venezuelanos, a assistência médica cubana e todo o equipamento áudio-visual. 36 milhões de dólares é menos do que os EUA enviam para Israel a cada três dias em armas e equipamentos de guerra, uma ajuda cujo valor total anual é de aproximadamente US$ 5 bilhões. O ataque de Israel contra a Palestina deixou mais de 1.200 palestinos mortos e aproximadamente 5.000 feridos. A maior parte dos mortos eram crianças, mulheres e idosos. Milhares de palestinos estão neste momento desabrigados, sem alimentos, medicamentos e água corrente. Até um edifício da ONU foi atingido. Não há médicos suficientes para atender a tanta gente. Chefes de Estado do mundo inteiro classificaram a agressão israelense como "genocídio" ou "carnificina" e pediram um cessar-fogo imediato. A resposta do governo israelense veio pelo vice-ministro de Defesa Matan Vilnai: "Isso é só o começo". O presidente eleito dos EUA calou, enquanto o governo estadunidense declarou que a matança "só vai parar quando o Hamas deixar de disparar mísseis contra Israel". Enquanto as corporações de mídia informavam ao público brasileiro que o genocídio cometido contra o povo palestino se tratava de um conflito de igual para igual entre o "grupo terrorista Hamas" e Israel, os cinqüenta anos da Revolução Cubana foram apresentados como uma "ditadura em declínio" (Folha de S. Paulo, 30 de dezembro de 2008) de onde restou apenas "a memória de uma aventura que se prometia gloriosa e a evidência de um desastre construído" (Estado de S. Paulo, 1o de janeiro de 2009). O termo "ditadura" também foi utilizado pela TV Globo para classificar o governo cubano. No mais, foram fartas as matérias enviadas de Havana, que naturalmente continham apenas os relatos dos que são contrários ao governo cubano. Nesse sentido, a não publicação da erradicação do analfabetismo na Bolívia não foi apenas um lapso midiático, mas uma escolha editorial fundamental para a legitimação do sistema capitalista, mesmo às custas de uma gigantesca falha jornalística - que deveria se estudada em toda faculdade de comunicação que se pretenda séria. Se não, como poderiam explicar que um país socialista como Cuba, debaixo de um feroz bloqueio econômico, alcance a façanha de exportar um conhecimento capaz de dotar todos os cidadãos bolivianos da capacidade de ler e escrever? Como poderiam explicar que essa empreitada fora conquistada com o mesmo investimento de um punhado de bombas utilizadas para massacrar o povo palestino? E, mais difícil ainda: como explicar que a maior potência militar e econômica do mundo ainda tenha analfabetos em sua população? Essas respostas jamais serão encontradas nas corporações de mídia porque sua simples publicação significa a negação de tudo aquilo que defendem. Pela mesma razão jamais reconhecerão a motivação capitalista (o saque às riquezas do Oriente Médio) no bombardeio à Palestina ou os projetos solidários internacionalistas de Cuba. Enquanto um é relativizado, outro é ignorado. Os três eventos históricos que ocorreram entre 20 de dezembro e 1o de janeiro testemunham as infinitas capacidades do ser humano. Por um lado, a brutalidade desmedida, a violência, a agressão, a guerra, a morte. De outro, a cooperação, a solidariedade, a paz, a vida. Cabe aos povos e governos de todo o mundo decidir que caminho seguir em 2009 e nos anos seguintes.”
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