sexta-feira, 13 de novembro de 2009

DELFIM NETO

DELFIM NETO
O Delfim Neto escreveu na Carta Capital, artigo que leva o título " Carisma e Poder", leiam abaixo:

Carisma e poder

Delfim Netto

No jogo político moderno, mais do que em quaisquer outros, as imagens e palavras têm um efeito fantástico sobre o nosso comportamento. Disse “moderno” porque, antes de nossa “época”, alguns instrumentos adicionais (veneno, punhal…) eram utilizados, com efeitos também fantásticos, tão ou mais radicais, mas provavelmente menos eficientes… É isso que leva os políticos habilidosos a utilizarem-nas para manipular a opinião pública na direção que lhes convém. Uma palavra ou imagem bem escolhida tem o efeito de vírus transmissor de infecção.

No Brasil temos dois exemplos marcantes, modernamente se diria “emblemáticos”. Um foi o de Jânio Quadros, há apenas 59 anos. Com a imagem da “vassoura”, iria varrer “a corrupção que desgraçava este País”. A ideia era forte e o alvo, claro: os políticos corruptos e o funcionalismo público. Estes “deveriam servir e respeitar o povo que os sustenta, mas em lugar disso o humilham e servem-se dele”.

Diligente e inteligente administrador, e ainda melhor ator, tão logo eleito prefeito de São Paulo (por grande maioria, mas puro acidente), criou a “administração-espetáculo”, que o transportou, em nove anos, numa carreira meteórica, de político desconhecido, de vereador a prefeito (1953-1954), a governador de São Paulo (1955-1959) e a presidente do Brasil (1961). Em 1953, demitiu em massa funcionários municipais com retumbante sucesso popular. Em 1955, fez o mesmo no funcionalismo estadual. Segundo Jânio, “cada pontapé” dado no funcionalismo público lhe rendia “10 mil votos…” Uma ideia simples, mas forte: combater a corrupção, objetivada num alvo indefeso, fácil de localizar e odiado (ou invejado?) pela sociedade.

O outro exemplo, este de “ontem”, é Fernando Collor. Com o mesmo mote de combater a corrupção, mas agora com um alvo difuso – o “marajá” –, mobilizou a sociedade brasileira com o mesmo desprezo de Jânio pela estrutura política e partidária. Mas quem era o “marajá”? A habilidade da mensagem foi identificar, em cada mente simples, o “marajá” como o seu desafeto mais próximo. Uma ideia arrebatadora transformou, em poucos meses, um inteligente, mas pouco conhecido, político alagoano em presidente da República. No final, talvez os dois tenham sido vítimas da mesma doença: 1. Seu espetacular sucesso. 2. Sua imaturidade. Quando renunciou, de forma muito mal esclarecida, Jânio tinha 44 anos. Quando foi cassado, num jogo político até hoje bem escondido, Collor tinha 43.

Todo esse longo introito é apenas para lembrar como as palavras têm força. É por isso que uma questão puramente acadêmica (talvez de escolástica-medieval, saber se a economia entrou ou não numa recessão) adquiriu contorno e significado politicamente transcendentes. Os fatos estão aí. Houve, em 2008 e início de 2009, uma queda no nível do emprego e do nível de atividade no Brasil, acompanhando a liquefação de toda a economia mundial e ameaçando transformar a marolinha de Lula num “apagão” que afinal não houve.

Naqueles momentos, não eram muitas as pessoas que esperavam respostas do governo na direção correta e ‘muitos mais’ (obviamente, a “burguesia endinheirada”) simplesmente descriam da capacidade do presidente de lidar com problemas altamente sofisticados que haviam embananado a linguagem e ofuscado as imagens de boa parte da academia mundial.

Não tenhamos dúvida de que sua imagem seria oferecida na próxima campanha eleitoral em 2010, não como “marajá” ou “corrupto” (que o povo sabe que ele nunca foi), mas como o legítimo espécime daquela “raça” que nós “elegemos por engano”. Peço desculpas aos leitores, pois ouvi essas expressões tão “politicamente corretas” num salão nobre, de gente que obviamente nunca viajou num “pau de arara”.

Pensei se, na verdade, existiria uma forma maior de, ainda menino, conhecer o chão de seu país e o ânimo de sua gente do que vencer 2 mil quilômetros de estradas poeirentas a bordo de um legítimo “pau de arara”? Depois, enfrentar um piso de fábrica, terminar um curso do Senai, desafiar o humor de um regime autoritário e criar o maior sindicato obreiro do Hemisfério Sul? Finalmente, sem passar pela academia, sem ao menos ler Gramsci, Althusser, Keynes ou Schumpeter, tornar-se o “cara” que conduziu o grande país a vencer a recessão antes da maioria dos principais protagonistas globais?


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