sexta-feira, 6 de novembro de 2009

A FOX NEWS, OBAMA E A MÍDIA BRASILEIRA

O canal Fox News, do multimilionário Rupert Murdoch, desde a posse de Obama assumiu posição beligerante em relação ao seu governo. Um grupo midiático fazer esse tipo de demonstração de força não é exatamente algo novo. A diferença é que dessa vez o país é os EUA. E o presidente não aceitou a chantagem.

Obama convocou os executivos da emissora e lhes disse que não a tratará mais como um grupo de mídia, mas como um partido de oposição. Os membros de primeiro escalão não darão entrevistas ao canal. O acesso à Casa Branca está restrito. E o presidente dos EUA também não fala com a emissora.

Do ponto de vista global este talvez seja o lance mais emblemático dos rumos que a mídia vem tomando. Encaminhei algumas perguntas ao colaborador da Fórum e professor da Tulane University Idelber Avelar. Ele explica o processo e esclarece aspectos dessa história que, aliás, nossa mídia comercial tradicional esta tratando como uma não-notícia.



1) Idelber, a Fox News parece que decidiu fazer uma oposição midiática à la venezuelana em relação ao governo Obama, como tem sido isso?

Na verdade era esperado. Só um ingênuo pensaria que a Fox faria uma cobertura minimamente equânime e objetiva do governo Obama. Mas acho que a Fox representa um outro tipo de conservadorismo midiático, diferente do brasileiro e do venezuelano. Nesses, há uma manipulação insidiosa que tenta parecer neutra, que quer fazer o espectador crer que “fatos” – como os grampos-fantasma de Gilmar Mendes ou a misteriosa agenda de Lina Vieira – estão sendo “descobertos”, quando na verdade, claro, eles estão sendo produzidos ali pelo próprio grupo de mídia. A Fox trabalha com outra retórica: muito mais virulenta, abertamente partidária, panfletária, raivosa, e que se legitima com o argumento de que está dando voz ao “americano normal”, supostamente sufocado pelo Estado. Nos EUA, essa retórica cola. Ao contrário do fracasso estrepitoso dos grupos de mídia brasileiros na fabricação de crises artificiais, a Fox representa uma visão de mundo realmente defendida por uma parcela significativa da população: não 5%, como no Brasil, mas de 40% a 50% dos americanos se identificam, em algum momento, com esse discurso anti-governo, anti-estado, anti-esfera pública. Mas eu ainda acho que a bandidagem dos grupos de mídia brasileiros é muito pior: a Fox nunca fraudou urnas, nunca escondeu o maior acidente aéreo da história do país, nunca vestiu sequestradores com camisa de partido político, nunca fez conspiração para inventar grampo falso, nunca achou dólares inexistentes em caixa de uísque. É verdade que tentou ressuscitar uma ficha supostamente radical do passado de Obama, mas pelo menos a ficha não era uma manipulação photoshopada enviada como spam.



2) Você poderia nos dar alguns exemplos de como esse ataque sistemático ao governo Obama tem sido realizado?

Os town halls sobre a reforma da saúde e o movimento do tea party são dois bons exemplos. Em agosto deste ano, especialmente, a coisa ficou feia para as forças reformistas da saúde nos town halls. Estas são reuniões públicas em que políticos se propõem a discutir um determinado tema com cidadãos comuns, num contexto em que o microfone é aberto. Os town halls foram tomados por uma retórica absolutamente delirante: que Obama ia criar “painéis da morte” para selecionar idosos para morrer, que teríamos um sistema soviético de saúde em que os médicos seriam impostos às famílias etc. Tanto no caso dos town halls como do tea party – um movimento anti-governo e anti-impostos que insidiosamente se apropria de um símbolo da Revolução Americana – o papel da Fox não foi o de uma agência de notícias: eles não noticiavam, mas faziam propagandas dos eventos, insuflavam, apresentavam aquela visão claramente extremista como “a voz da América” etc. Foi o momento mais crítico do governo até agora. Glenn Beck, o segundo âncora mais assistido da Fox, chegou a declarar que Obama “tem ódio do povo branco”. As comparações de Obama com Hitler são apresentadas como se fossem, digamos, uma metáfora política razoável. Há exemplos às centenas. Pra quem lê inglês e tem estômago, há um acompanhamento diário no Media Matters.



3) Parece que agora o governo se deu conta de que não poderá ficar impassível em relação aos ataques e que está organizando uma ação via internet, como tem sido isso?

A mobilização via internet já era parte do movimento Obama desde a campanha e deve continuar. Claro que há também um exército de blogueiros e tuiteiros de centro-esquerda que apóiam o governo, mas não são coordenados por ele. Quanto à Fox, o governo decidiu dizer abertamente que vai tratá-la não como um grupo de mídia, mas como um partido de oposição. Os membros de primeiro escalão não darão entrevistas ao canal. O acesso à Casa Branca está restrito. No dia 20 de setembro, por exemplo, Obama visitou todos os programas de entrevistas políticas do domingo pela manhã (uma tradição americana), exceto o da Fox. Nos jornalões e na grande mídia, a interpretação foi unânime: Obama está fazendo uma bobagem. Quem briga com a imprensa sempre leva a pior. Os presidentes que antagonizaram a mídia não se deram bem. Eu acho que ainda está pra se ver qual será o resultado disso, mas o fato é que a estratégia de Obama – não sabotar, como fez Nixon, não censurar, mas dizer abertamente como vai tratá-los e paralelamente apostar na mobilização via internet – é algo que não se havia tentado antes. Clinton, por exemplo, foi triturado pela mídia: foi justamente no governo Clinton que a Fox se firmou.



4) Considero que essa onda de partidismo midiático pela direita contra os governos mais progressistas também é uma demonstração de perda de influência da mídia tradicional comercial, o que você acha disso?

Sem dúvida. Estamos voltando, de uma maneira meio distorcida, às origens da imprensa, que antes do século XX sempre foi explicitamente partidária. Se a Folha de São Paulo e a Veja, por exemplo, declarassem claramente quais são suas filiações ideológicas e com quais grupos políticos se relacionam, elas ganhariam em credibilidade, mesmo que continuassem dizendo as mesmas coisas que dizem. Ao invés disso, insistem histericamente nessa tecla de que são os guardiães da verdade, da objetividade e da liberdade de informação, e que aqueles que os atacam são censores travestidos. Ora, as pessoas não são burras. Outro dia, um garoto de 12 anos leu uma bobagem dessas na Folha e me perguntou: “Idelber, eles acham de verdade que enganam alguém com isso?” Agora veja você: 12 anos. Imagine o que acontecerá quando essa meninada formada na Internet chegar à maioridade. Não adianta o Governador José Serra multiplicar as assinaturas sem licitação da Revista Veja para as escolas públicas. Eles são ricos, mas em termos de credibilidade estão respirando por aparelhos. É uma questão de tempo. Aqui nos EUA, claro, o jogo é mais duro, porque o país está bem à direita. A retórica anti-governo, anti-estado, tem uma atração incrível por aqui. Está nas origens do país. Aí é diferente: até um direitista da Opus Dei tem que vestir bonezinho do Banco do Brasil para tentar ser eleito.



5) Pra terminar, qual a sua avaliação deste primeiro período do governo Obama? Você acha que a gestão dele pode vir a ser derrotada por essa operação abafa orquestrada principalmente pela Fox News que agora, inclusive, já supera a CNN em audiência nos EUA?

Acho que se o Obama for derrotado politicamente, terá sido pelos seus próprios erros, pelo excesso de conciliação, pela estúpida ideia de que a receita para um governo progressista é ir se movendo para a centro-direita, pela falta de confiança na mobilização popular que o elegeu, pelo abuso nas concessões. A Fox não só tem mais audiência que a CNN. Ela tem mais audiência que a CNN e a MSNBC (o canal de notícias mais à esquerda) juntas. Mas isso não se traduz necessariamente em força política, como sabemos pela experiência brasileira. Anteontem, o governo amargou derrotas das eleições da Virgínia e de Nova Jersey. Culpa da Fox? De jeito nenhum. Culpa de um establishment democrata ainda cativo da política do medo. A meninada que elegeu Obama ficou em casa, tanto na Virginia como em Nova Jerseu. Resultado? Vitória dos republicanos.

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